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Como é possível a apreensão e recuperação de criptoativos?

18 de maio de 2022 / Por: FELIPE AMÉRICO MORAES

Tem-se tornado popular a prática de delitos envolvendo criptoativos, sobretudo casos cujos autores oferecem auxílio para investimento nesse mercado, mas utilizam a promessa como um pretexto para subtrair os valores captados de seus clientes. Tais esquemas vêm acompanhados de nomes populares, como “pirâmides financeiras” ou “esquemas ponzi”.

Quando ocorrem tais delitos, é possível a realização dos meios tradicionais para a recuperação do prejuízo sofrido pelas vítimas. Juridicamente, é possível a realização do sequestro – caso em que são apreendidos e bloqueados bens adquiridos diretamente com os valores subtraídos das vítimas – e o arresto – quando mesmo o patrimônio adquirido previamente ao crime é bloqueado e destinado ao ressarcimento. Nesses casos, realiza-se a apreensão e bloqueio de todos os bens pertencentes aos autores do delito – tais como imóveis, veículos, embarcações, etc.

Mesmo assim, o surgimento do mercado de criptoativos tornou possível aos indivíduos o armazenamento de valores sem a existência de ponto referencial físico, sem a necessidade de custódia por uma instituição financeira e sem a imediata vinculação a seu detentor (visto que seu registro na blockchain é realizado mediante o respectivo “endereço”). Isto é, desde a invenção do Bitcoin – seguido pelo surgimento de milhares de outros criptoativos –, é possível que a custódia de valores milionários seja realizada mediante o acesso a uma chave criptográfica, que pode inclusive ser decorada pelo indivíduo.[1]

Nesse caso, é correto dizer que há maior dificuldade na identificação e apreensão de valores custodiados em criptoativos. Devido à descentralização – isto é, que as transações não necessitam de intermediários financeiros para serem realizadas –, é possível que não haja um destinatário para as autoridades endereçarem uma ordem para bloqueio dos valores, assim como ocorre no sistema financeiro tradicional.

Todavia, o modo de custódia da imensa maioria dos ativos digitais não ocorre da maneira descentralizada. Devido à complexidade do sistema, há nesse ambiente inúmeros prestadores de serviços, os quais se apresentam como intermediadores. Eles permitem maior facilidade aos usuários e, consequentemente, garantem maior volume de transações. É o caso das exchanges centralizadas (também chamadas de “casas de câmbio de criptoativos”), que causaram um movimento de “recentralização” no mercado de criptoativos.

O surgimento desses players no mercado fez surgir a possibilidade de o Estado realizar o mesmo método de controle praticado no sistema financeiro tradicional: exigir desses intermediadores a identificação dos seus usuários. Com isso, passou a ser possível duas medidas importantíssimas para a realização de bloqueios e apreensões de criptoativos: i) a capacidade de descobrir o usuário responsável por transações com criptoativos, assim como ii) o cumprimento de ordens judiciais de bloqueio de ativos digitais que estejam custodiados nessas exchanges. Em termos simples, criptoativos custodiados em exchances centralizadas operam de maneira idêntica aos valores armazenados em instituições financeiras tradicionais.

Mesmo assim, há nesse ambiente uma possibilidade não existente no sistema bancário: a capacidade de o usuário custodiar seus criptoativos de maneira autônoma, nas chamadas “carteiras privadas”. Esse é o cenário mais comum para o caso daqueles que tem a pretensão de impedir o Estado cumprir ordens de bloqueios de seus ativos digitais, cenário que demanda a realização de métodos mais complexos de investigação – os quais estão em constante aperfeiçoamento pelas autoridades policiais.

A primeira hipótese em que é possível a apreensão de criptoativos é quando estão custodiados em “carteiras físicas” – também chamadas de cold wallet ou hardware wallet. Já houve caso em que a autoridade policial brasileira cumpriu mandado de busca e apreensão na residência de pessoa investigada por esquema de “pirâmide financeira” com criptoativos[2] e apreendeu um dispositivo chamado “OpenDime”[3], uma hardware wallet de bitcoin cuja função é ter um dispositivo físico o qual garante que somente seu detentor terá acesso aos bitcoins nele custodiados.

Esse é um caso que, diferentemente das hardware wallets convencionais que permitem a realização de um backup da chave mnemônica –, é impossível que terceiros conheçam a respectiva chave criptográfica. Assim, uma vez apreendido, é possível à autoridade policial a transferência dos valores à uma “carteira” controlada pelo Estado.

Outra possibilidade interessante para a apreensão de criptoativos será recorrer a grandes empresas que realizam a análises em blockchain. Elas visam o fornecimento de dois tipos de serviços: i) softwares destinados a empresas que operam no mercado de criptoativos para que possam cumprir suas obrigações de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo; assim como ii) disponibilizar sua equipe para realizar o rastreio dos mais diferentes criptoativos – inclusive aqueles tidos como anônimos, tais como a monero, zcash, secret, oásis, dentre outras. Essas empresas são as mesmas que fornecem serviços ao FBI e DOJ, mas que podem ser contratadas por vítimas de crimes patrimoniais envolvendo criptoativos.

Nesses casos, ainda que os valores estejam custodiados em “carteiras privadas”, é possível que os “endereços” sejam identificados e registrados em uma lista negra, compartilhado com as diversas empresas atuantes no mercado. Com esse método, assim que o autor do delito tente realizar a conversão desses valores para moeda estatal, os intermediadores interromperão imediatamente a transação e comunicarão às autoridades competentes.

Caso como esse já ocorreu na recuperação dos valores da empresa Bitfinex, uma exchange centralizada que foi hackeada em 2016 e teve 119.754 bitcoins desviados – os quais passaram posteriormente por processos de lavagem de dinheiro ainda dentro do mercado de criptoativos. Ainda que esses valores possam ser gastos sem retornar ao sistema financeiro tradicional, é comum a necessidade de os criminosos os transformarem em ativos do mundo físico. Foi o que ocorreu nesse caso, quando se acreditou que, devido às técnicas de lavagem, os valores estariam suficientemente mascarados. Para a surpresa deles, o valor equivalente a 3.6 bilhões de dólares foi bloqueado por investigação conduzida pelo DOJ.[4]

Para nós, entendemos que as investigações em matéria de fraudes com criptoativos devem ser conduzidas com uma parceria entre o público e o privado. Empresas que realizam a monitoração e investigação em blockchain possuem, atualmente, tecnologia de ponta para deanonimizar transações com criptoativos e, com isso, permitir às vítimas a recuperação de valores. Somado a isso, as autoridades públicas possuem os métodos coercitivos capazes de realizar o bloqueio e apreensão dos valores. Entende-se que somente com uma estratégia alinhada entre ambos os setores é possível conduzir uma investigação eficiente, que visa garantir aos responsáveis a punição adequada pela prática do crime, assim como ressarcir o prejuízo sofrido pelas vítimas.

 

[1]              MORAES, Felipe Américo. Bitcoin e Lavagem de Dinheiro. Belo Horizonte: editora Tirant Lo Blanch, 2022. P. 192-193.

[2]              Disponível em: https://livecoins.com.br/policia-federal-faz-operacao-contra-grupo-bitcoin-banco/. Acesso em 15 mar. 2022.

[3]              Disponível em: https://opendime.com/. Acesso em 15 mar. 2022.

[4]              Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-02-08/doj-seizes-3-6-billion-in-bitcoin-stolen-in-2016-bitfinex-hack. Acesso em 15 mar. 2022.