Em artigo anterior havíamos alertado para um aumento na criminalidade digital, impulsionada, em especial, pelas mudanças em nosso cotidiano em tempos de pandemia e distanciamento social, que resultaram em uma maior utilização de tecnologias para viabilizar o trabalho remoto.
Pois bem. Em resposta a isso, foi sancionado o projeto de lei nº 4.554/2020, dando origem à Lei Ordinária nº 14155/2021, publicada hoje no Diário Oficial da União. Com ela foram promovidas algumas alterações no Código Penal e Código de Processo Penal, no intuito de endurecer as penas para os crimes de violação de dispositivos informáticos (art. 154-A do CP), furto (art. 155 do CP) e do estelionato (171 do CP) cometidos pela internet ou de forma eletrônica, bem como de determinar a competência para julgamento de algumas modalidades do estelionato no domicílio da vítima. Passamos a analisar cada uma delas.
A redação antiga do art. 154-A exigia que o dispositivo invadido fosse “alheio” (leia-se de propriedade de terceiro), bem como que a invasão fosse praticada “mediante violação indevida de mecanismo desegurança”. Com o novo texto, o tipo penal tornou-se mais abrangente, bastando que o dispositivo informático seja de “uso alheio”, pouco importando se ele pertence à vítima ou não, sendo suficiente para a configuração do crime que o dispositivo se destine ao uso de terceiro. Foi suprimida a exigência de que a invasão ocorra “mediante violação indevida de mecanismo de segurança”, de modo que condutas mais rudimentares (como o simples acesso à máquina pela rede, sem violação de qualquer dispositivo de segurança) estarão também sujeitas à tipificação pela nova redação.
Destaca-se também que a pena para referido delito sofreu significativo aumento; enquanto a redação anterior previa pena de detenção de 3 meses a 1 ano, a nova prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos. Isso se refletiu também na causa de aumento de pena prevista do §3º do art. 154-A, de modo que “se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo”, a conduta será punida com reclusão de 2 a 5 anos.
Já o crime de furto passou a contar com uma nova modalidade qualificada com a inclusão dos §4º-B e §4º-C ao art. 155. Assim, o furto mediante fraude passou a ter pena de reclusão de 4 a 8 anos quando “cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”, sendo que essa pena pode ser acrescida de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do Brasil (que ocorre quando o criminoso se vale de aplicação de VPN, que dificulta a sua identificação), e de 1/3 ao dobro se a vítima for idosa ou vulnerável.
Por sua vez, o crime de estelionato recebeu os § 2º-A e §2ª-B, que inseriam a modalidade da Fraude Eletrônica no art. 171. Com isso, quando o crime for cometido “com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”, a conduta será punida com reclusão de 4 a 8 anos. E mais, a pena pode ser acrescida de 1/3 a 2/3 se o delito resultar em grave prejuízo à vítima, ou se o agente criminoso se valer de servidor internacional. Ou seja, endureceu-se – e muito, considerando que o estelionato simples é punido com pena de reclusão de 1 a 5 anos – o apenamento para essa nova modalidade, em especial, em razão dos constantes golpes praticados por meio do WhatsApp (por exemplo).
Além disso, foi alterada também a redação do §4º do art. 171 do CP, prevendo aumento de 1/3 à metade para os casos em que o crime é “cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso”.
Finalmente, foi promovida também uma alteração significativa quanto à competência para o processamento do crime de estelionato, sendo incluído o §4º ao art. 70, prevendo que quando o estelionato for praticado “mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores”, o crime será processado no local de domicílio da vítima, sendo que havendo mais de uma (residentes em diferentes localidades) a competência será firmada pela prevenção, ou seja, perante o juízo onde ocorrer a prática do primeiro ato processual, ainda que anterior ao oferecimento de denúncia.
Válido lembrar que a Lei nº 14.155/21 não possui vacatio legis, portanto já se encontram em vigor essas alterações promovidas no CP e CPP, que visam dar maior efetividade ao combate da criminalidade digital, ampliando a abrangência dos tipos penais, aumentando as penas para tais delitos, bem como definindo regra de competência que visa facilitar o acesso da vítima às autoridades locais.
Nesse sentido, cumpre salientar que essas alterações, em alguns casos, afastam a possibilidade de que o acusado se valha de Acordo de Não Persecução Penal, recentemente incluído no CPP com o Pacote Anticrime. É o caso do furto mediante fraude por meio de dispositivo eletrônico ou informático, bem como da Fraude eletrônica, que tem pena mínima de 4 anos, afastando a incidência do art. 28-A do CPP.